Há diferença entre cobrar cachê e receber oferta?


Na atualidade, está se tornando comum a pergunta: “Qual é o seu cachê?”, quando se convida um mensageiro de Deus para pregar ou ensinar as Escrituras. Quando me fazem essa pergunta, respondo o seguinte: “Não cobro cachê para ministrar a Palavra, porém aceito uma ‘oferta’, a qual, evidentemente, como esse próprio termo sugere, fica a critério da igreja”. Apesar de alguns irmãos — acostumados a tratar com celebridades gospel — estranharem esse meu procedimento, me baseio na Bíblia, a começar pela conduta de Daniel diante do rei Belsazar, na Babilônia.

De acordo com Daniel 5.1-17, esse profeta recusou-se firmemente a aceitar os presentes de Belsazar, a priori, o qual lhe pedira a interpretação da escritura que havia aparecido na parede do palácio real. Entretanto, depois que Daniel lhe disse o que significavam as duras palavras: “Mene, Mene, Tequel e Parsim” (v. 25), o rei mandou que vestissem “Daniel de púrpura, e que lhe pusessem uma cadeia de ouro ao pescoço, e proclamassem a respeito dele que havia de ser o terceiro dominador do reino” (v. 29).

Alguém poderá pensar que estamos diante de uma contradição. Afinal, o mesmo Daniel, que antes dissera ao rei: “As tuas dádivas fiquem contigo, e dá os teus presentes a outro” (Dn 5.17), os recebeu de Belsazar, depois de lhe entregar a mensagem de Deus! Não há contradição alguma nessa conduta, e sim o ensinamento, por meio de exemplo, de que não devemos exigir pagamento para transmitir a Palavra. Se Daniel tivesse aceitado as dádivas do rei antes de entregar-lhe a mensagem do Senhor, teria sido induzido a agradá-lo. Por outro lado, quando cumpriu sua missão de modo isento, teve seu trabalho reconhecido — mesmo depois de transmitir uma mensagem muito dura ao rei (cf. vv. 18-28) — e, por isso, aceitou, sem nenhum constrangimento, os presentes que lhe foram ofertados.

Em outras palavras, seguindo o exemplo de Daniel, não devemos estipular um cachê para entregar a mensagem de Deus, mas aceitar uma “oferta”, em reconhecimento de nosso trabalho em prol do Reino de Deus, o que é uma conduta lícita, à luz do Novo Testamento (cf. 1 Tm 5.17,18). Cobrar cachê e receber “oferta”, por conseguinte, não são nomes diferentes de uma mesma prática, pois a primeira é uma exigência, como se fosse uma condição para a transmissão da mensagem; e a outra, uma prática passiva, sem estabelecimento de valor.

O termo “cachê” provém do francês cachet e, desde o século XVII, tem sido usado para designar a retribuição dada a um artista por representação ou concerto. Segundo Houaiss, alude à “remuneração que ator, músico ou outro artista recebe por apresentação”. Trata-se de uma “quantia paga a quem se apresenta em público (p.ex. conferencista, animador etc.), especialmente a artista que se apresenta num espetáculo (de teatro, música, dança, variedades etc.) ou que participa de uma produção cultural ou publicitária (p.ex. de cinema, televisão, disco etc.)”.

Deve-se exigir dinheiro para ministrar a Palavra de Deus? Não, pois o próprio Senhor Jesus, ao enviar pregadores, ensinou: “de graça recebestes, de graça dai” (Mt 10.8). Entretanto, quem convida um mensageiro de Deus para pregar ou ensinar, deve honrar o seu ministério, ser-lhe grato, cobrindo todas as suas despesas, hospedando-o bem e lhe dando uma “oferta”. Isso é uma forma de reconhecer que ele, ao atender o convite, absteve-se de estar com a família, deixou a sua igreja local, o seu trabalho profissional — em muitos casos —, renunciou atividades importantes e abriu mão de um período que poderia usar em seu benefício e da família.

Quanto à “oferta”, alguém poderá perguntar: “Qual seria um valor justo a ser ofertado a um mensageiro de Deus?” O termo “oferta” é autoexplicativo; o valor a ser ofertado ao mensageiro de Deus fica a critério da igreja, que deve contribuir com liberalidade, valorizando o ministério da Palavra sem que haja a necessidade de estabelecer-se um cachê (1 Co 9.9-14), não se esquecendo de que o obreiro é digno do seu salário (1 Tm 5.18). Lembremo-nos, finalmente, de que o mensageiro de Deus deve ser honrado como um convidado (con-vi-da-do), e não tratado como alguém que se ofereceu para vender seu serviço.

Ciro Sanches Zibordi

Comentários

Unknown disse…
Graça e Paz, Pr. Ciro. Acompanho o seu blog a algum tempo e me identifico com muitas de suas posições. Parabéns pelos seus livros, notadamente, a série "Erros que os pregadores devem evitar". O assunto é complexo, mas não pude deixar de notar as aspas na palavra "oferta". Por amor ao debate, o Sr. poderia fazer a gentileza de explicá-las?
A paz do Senhor, irmão Daniel.

Usei aspas somente porque o aludido termo, em geral, é aplicado ao que ofertamos a Deus. O termo 'oferta', em meu texto, alude a um pagamento oferecido ao convidado para pregar ou ensinar as Escrituras, mas não como se fosse um pagamento por obrigação (cachê), e sim por amor, honrando o ministério da Palavra que o Senhor lhe outorgou.

Em Cristo,

CSZ
José Roberto disse…
Mais as estrelas "gosp" já estão inovando e pedindo "oferta " de 2 mil reais ! Já coloquei no meu coração de não ir a igreja quando essa Tturma se fizer presente!
Jonnys Sales disse…
Pr. Ciro,

Esse texto é muito esclarecedor, principalmente para os dias de hoje em que pregadores realmente cobram cachês (altos cachês) para ministrarem. Eu sempre repugnei esse tipo de atitude, pois creio ser uma prática que visa o lucro. Creio que seria interessante também um texto sobre os cantores. Trata-se da mesma questão?

Ats,

Pr. Jonnys Sales
Caro Jonnys, basta trocar 'pregadores' por 'cantores'. O texto se aplica a ambos.

Abraços.

CSZ
Thiago Souza disse…
Lindo,Texto Professor eu me identifiquei muito.É muito esclarecedor,o Texto Ainda mais Hoje em Dia,que pastores cobram de tudo.
Thiago Souza disse…
Lindo,Texto Professor eu me identifiquei muito.É muito esclarecedor,o Texto Ainda mais Hoje em Dia,que pastores cobram de tudo.
Thiago Souza disse…
Texto muito,Expressativo é interessante.
Edinei Siqueira disse…
Não sei quem é mais errado, quem paga ou quem recebe cachê.
Edinei Siqueira disse…
Confesso que não sei quem erra mais. Quem cobra ou quem paga cachê.
Caro José Roberto, se a "'oferta'" (aspas sobre aspas) é um valor estabelecido não se trata de receber 'oferta', e sim cobrar CACHÊ. A 'oferta' a que me referi ocorre quando a igreja de feta dá um valor espontaneamente ao convidado.

Em Cristo,

CSZ
Anônimo disse…
Conheço um cantor que sendo convidado viajou para outra cidade, igreja em porte médio. Haviam lhe perguntado antes se ele cobrava um valor específico. O cantor respondeu que bastava a ele uma oferta. O cantor foi, viajando em carro próprio, cantou e após o culto lhe deram a oferta: 20 (vinte) reais.
E ainda há quem critique o pregador/cantor que diz 'aceito uma oferta'! Risos. Mas Deus cuida dos seus!

CSZ
Boa tarde Pr. Ciro!
Tenho acompanhado o ministério do senhor é o admiro muito.
Já li alguns de seus livros e até utilizei um como referência bibliográfica num livro meu.
Desejaria muito ter uma de minhas obras prefaciada pelo senhor.
Também sou membro correspondente da AELB.
Caso tenha um e-mail para eu me comunicar com o senhor agradeceria muito.
Deus te abençoe ricamente!
Abç!
Paz!
Andre Gonçalves disse…
Graça e paz Pr. Ciro!!

Parabens pelo seu aniversário no dia 16/03... Se minha memória não me traiu é nesta data que o sr. faz aniversário!


Deus abençoe sua vida, familia e ministério.

Em Cristo,
André Gonçalves.
luciana disse…
Eu acho esse assunto tão polêmico...Gostei do termo convidado, pois é... um certo pastor reclamou que tinha deixado trabalho,cursos e etc..Para ser pastor na ocasião reclamando para o pastor presidente, e ele respondeu; Quem pediu pra você fazer isso? Acho que tem haver amor, se for pelo amor ao reino cobrindo as despesas já ta mais do que correto.A oferta seria uma consequencia,não consigo aceitar e nem entender o comercio que virou ser pregador,principalmente. Porque cantor ainda é uma profissão, pode gravar cd e vender.Mais vender a palavra? Dificil a biblia relata ofertas ajudas a pastores evangelistas que andavam pregando abrindo igrejas, no caso dos apostolos.Hoje virou comercio muito diferente por isso usam versiculos isolados pra justificar, não querem mais trabalhar querem ser pregador.Polêmico!